Biyernes, Marso 7, 2008


NAVEGAR DO PARAÍSO AO INFERNO...
PEDRO ÁLVARES CABRAL (?)Descobridor, 1467 (?) - 1520 (?)
Fernando Correia da Silva1467(?): Nasce, talvez em Belmonte. Filho segundo do fidalgo Fernão Cabral. Por serviços vários de natureza militar é agraciado com tença por D. João II. Casa com D. Isabel de Castro, sobrinha de Afonso de Albuquerque. - 1500: Segunda expedição portuguesa à Índia: armada de 13 navios, com 1500 homens. D. Manuel I entrega o comando a Pedro Álvares Cabral. Este larga de Lisboa a 9 de Março. Descobre as Terras de Vera Cruz (Brasil) em 22 de Abril. Naufrágios de quatro naus mas chega a Calecute a 13 de Setembro. Não consegue a submissão do Samorim - 1501: Regressa ao Reino apenas com 5 navios, embora transportando avultada carga de especiarias. - 1502: Recusa comandar outra expedição à Índia. - 1509: Afastado do Paço, vive nas suas propriedades de Santarém. - 1515: Finalmente é-lhe atribuída tença como prémio pela sua descoberta do Brasil que começa a ser colonizado. - 1518: Nova tença, pelo mesmo motivo. - 1520 (?): Morre em Santarém.

SEGUNDA EXPEDIÇÃO À ÍNDIA

Cabral parte de Lisboa, comandando a segunda expedição à Índia. E, entretanto, o que está acontecendo no resto do mundo? Consulte a Tábua Cronológica
Guerreiro. Nobre, porém filho segundo. Honrarias? Só as alcançadas por valor e esforço próprios, que não por nascimento. D. João II já lhe dera tença por bons serviços militares prestados à Coroa. Agora D. Manuel I confia-lhe o comando da segunda expedição à Índia, 13 naves, 1500 homens. Terá que submeter o Samorim de Calecute, o qual tanto afrontara Vasco da Gama. Terá que lançar a primeira pedra do império lusitano do Oriente.
Bem sabe que o mundo é guerra e perfídia. Mas coisas que o ódio nega, o temor as concede. Também sabe que há sinas e maldições a perseguir os fortes. Pedro Álvares Cabral tudo enfrenta, é homem de um só desígnio, antes quebrar que torcer.
Honras e pompas em Sta. Maria de Belém e a 9 de Março de 1500 fazem-se ao largo. Antes, El-rei D. Manuel falara-lhe de terra que, frente à África, existirá a ocidente do Mar Oceano. Que a descobrisse, se pudesse. Talvez por ela D. João II tenha insistido em transferir o meridiano divisor do Tratado de Tordesilhas de 100 para 370 léguas a oeste de Cabo Verde.
Na armada, entre outros seguem Pero Vaz de Caminha, cronista d'El-rei. E ainda Bartolomeu Dias, o primeiro a dobrar o Cabo da Boa Esperança. Também o seu irmão Diogo Dias e Nicolau Coelho, que foi um dos comandantes da expedição de Vasco da Gama.
Primeira maldição: nas águas de Cabo Verde desaparece uma das naus. Ninguém saberá dela, nunca mais. Das 13 ficam 12.
Frente à Guiné tomam barlavento. Américo Vespúcio (2) não entende a manobra, resmunga que os portugueses nada sabem de navegação... Deixá-lo resmungar, o italiano é bom marinheiro, tem direito a um resmungo... Tocadas por sueste, as naus são empurradas para ocidente. Girará depois o vento para sudoeste e tornará a armada à costa d'África, porém em latitudes bem mais ao sul. Abaixo do Equador descreverá assim um amplo arco de círculo no Mar Oceano.
Mas grandes surpresas esperam Cabral, homem que, em nome d'El-rei de Portugal, navega disposto a enfrentar tudo e todos.


Cabral descobre o Brasil e encanta-se com a inocência dos nativos.
VERA CRUZ(3)21 de Abril, 3ª feira. A Páscoa foi no domingo passado. Nas ondas surgem ervas compridas. Próxima já ficará a terra aventada por El-rei.
22 de Abril. De manhã surgem bandos de pássaros a voar para ocidente. Vasco da Gama também dera conta deles. A meio da tarde, muito ao longe, avistam terra: um monte redondo e alto, muito arvoredo na terra chã. Ao monte, o Capitão-mor chama Pascoal e à terra dá o nome de Vera Cruz. Anoitece e resolve ancorar a seis léguas da costa.
23 de Abril. Avançam até meia légua da terra, direitos à boca de um rio. Sete ou oito homens pela praia. Cabral manda Nicolau Coelho a terra. Quando vara o seu batel, já correm para ele cerca de vinte homens pardos. Todos nus, sem nada que cubra as suas vergonhas. Setas armadas, cordas tensas, chegam dispostos ao combate. Mas Nicolau Coelho, por gestos, faz sinal que pousem os arcos em terra e eles os pousam.
E o Capitão-mor pergunta-se: que gente é esta que, até por gestos, aceita a mansidão? Ingenuidade ou malícia? Ingenuidade será excessiva. Será malícia, certamente. É preciso ficar em guarda.
O quebra-mar é forte. Mal se podem entender marinheiros e nativos. Mas Nicolau dá-lhes ainda um barrete vermelho e um sombreiro preto e, por troca, recebe um colar de conchinhas e um sombreiro de penas de ave, com plumas vermelhas, talvez de papagaio. E com isto se torna à nau, porque é tarde e a maré está a puxar muito.
Ao anoitecer começa a ventar de sueste com muitos chuviscos e Cabral resolve mandar levantar ferro e rumar para norte, em busca de enseada onde se possam abrigar e então repara que na praia já correm e gesticulam cerca de sessenta a setenta homens. O que estarão eles a conspirar?
24 de Abril. Acham uma angra e antes do sol-posto lançam ferro e àquele lugar o Capitão-mor dá o nome de Porto Seguro. Depois faz muitas recomendações a Afonso Lopes, que nunca baixe a guarda, que não se deixe apanhar desprevenido e manda-o a terra num esquife. E o piloto, que é homem destro, com muita amizade e gentileza consegue recolher dois daqueles mancebos que em terra corriam e, com muito prazer e festa, a bordo são recolhidos.
Espantado continua o Capitão-mor. O mundo é guerra e perfídia. Como podem ser tão confiantes aqueles nativos? Alguma traição andam eles a tramar, a astúcia como escudo, a crueza como lança...
A feição deles é serem pardos, à maneira de avermelhados, de bons rostos e narizes bem feitos. Andam nus sem nenhuma cobertura e estão acerca disso em tanta inocência como estão em mostrar o rosto. Trazem ambos os beiços furados e metidos por eles uns ossos brancos da grossura de um fuso de algodão. Os cabelos são corredios e andam tosquiados de tosquia alta. E um traz, de fonte a fonte, por detrás, uma cabeleira de penas de aves, que lhe cobre o toutiço e as orelhas. Sobem à nau e não fazem menção de cortesia nem sequer ao Capitão-mor. Mas um deles põe olho no colar de ouro que do pescoço traz pendurado ao peito e começa a acenar com a mão para terra e depois para o colar, como que a dizer que há ouro naquela terra. Mas isso o tomam os portugueses por assim o desejarem, mas se o nativo quer dizer que deseja levar o colar para terra, isso não o querem eles entender... Cabral mostra um papagaio que trouxe de África. Os nativos logo o tomam e apontam para a costa, como que a dizer que aquela será terra de papagaios. Os navegantes mostram depois um carneiro. Os nativos não fazem dele menção. Mostram-lhes uma galinha, ficam receosos e temem meter-lhe mão. A seguir, dão-lhes de comer pão, peixe cozido, mel, figos passados e vinho por uma taça. Não querem comer ou beber daquilo quase nada e alguma coisa, se a provam, logo a lançam fora. Dão-lhes água por uma botelha. Tomam dela o seu bocado, mas somente lavam as bocas e logo lançam fora. No convés, estiram-se então de costas, sem terem nenhuma maneira de cobrir suas vergonhas, as quais não são fanadas. O Capitão-mor manda deitar-lhes um manto por cima e eles consentem e descansam e adormecem.
Será possível que possa haver mundo diverso daquele que o Capitão-mor viveu e sabe? Sem guerras, nem perfídia, nem traições? Será possível a fraternidade entre os homens e a comunhão dos seus interesses? Existe ainda na Terra o Paraíso que Adão e Eva perderam por malícia da Serpente?

O PARAÍSO
Ao sábado pela manhã o Capitão-mor manda Nicolau Coelho, Pero Vaz de Caminha e Bartolomeu Dias levar a terra os dois mancebos. E muitos homens os cercam e falam e gritam mas tudo sempre em jeito de amizade. Também algumas moças muito moças e gentis, com cabelos muito pretos e compridos a tombar pelas espáduas e suas vergonhas tão altas e cerradinhas que delas vergonha não pode haver.
No domingo de Pascoela determina o Capitão-mor que Frei Henrique cante missa num ilhéu que há na entrada daquele porto, a qual é ouvida com devoção, Cabral empunhando a bandeira de Cristo que trouxera de Belém. E durante a missa muitos nativos se aproximam em suas canoas feitas de troncos escavados. Alguns juntam-se aos navegantes tocando trombetas e buzinas. Os restantes saltam e dançam o seu bocado.
Metem-se depois os navegantes terra adentro e junto a uma ribeira que é de muita água, encontram palmas não muito altas. Colhem e comem bons palmitos. Então Diogo Dias, que é homem gracioso e de prazer, leva consigo um gaiteiro e mete-se a dançar com todo aquele povo, homens e mulheres, tomando-os pelas mãos, com o que eles folgam e riem muito ao som da gaita.
Não há vestígio nem de guerra, nem de traição, nem de perfídia, nem sequer de receio. Já vacila o Capitão-mor na sua desconfiança.
Na 6ª. feira opina irem à cruz que chantaram encostada a uma árvore junto ao rio. Manda que todos se ajoelhem e beijem a cruz. Assim o fazem e, para uns doze nativos que mirando estão, acenam que assim façam. Eles ajoelham-se e assim o fazem.
Ao Capitão-mor já lhe parece aquela gente de tal inocência que, se fosse possível entendê-los e fazer-se entender, logo seriam cristãos. Não têm crença alguma, ao que parece. Os degredados que hão-de ali ficar, hão-de aprender a sua fala e não duvida o Capitão-mor que bem conversados logo sejam cristãos, porque esta gente é boa e muito simples. E Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, ao trazer cristãos àquela terra, Cabral crê que não foi sem causa.
Ainda nesta mesma 6ª. feira, dia primeiro de Maio, indo os navegantes pelo rio abaixo, os sacerdotes à frente, cantando em jeito de procissão, setenta ou oitenta daqueles nativos metem-se a ajudá-los a transportar e a chantar a cruz junto à embocadura. E quando, já na praia, Frei Henrique canta a missa, todos eles se ajoelham como os portugueses. E quando vem a pregação do Evangelho, levantam-se os portugueses e com eles levantam-se os nativos. E os cristãos erguem as mãos e os nativos erguem as suas. E quando Frei Henrique levanta a Deus, outra vez se ajoelham os navegantes e com eles os nativos. Já acha o Capitão-mor que a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior.
Esta terra será imensa, dela não se vê o fim. De ponta a ponta é toda praia chã, muito formosa. E os arvoredos, com muitas aves coloridas, correm para dentro a perder de vista. Alguns dos paus são de madeira avermelhada, cor de brasa.(4) Os ares são muito bons e temperados. As fontes são infindas. Querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem. Mas o melhor fruto, a principal semente, pensa Cabral, será a de salvar o seu povo que tão gentilmente ali vive em estado natural.
Manda Pero Vaz de Caminha escrever novas do achamento. Depois manda Gaspar de Lemos levar a carta a El-rei e ele parte, com a sua nau, rumo a Lisboa. Das 13 agora restam 11. Abalam de Vera Cruz a 2 de Maio. Em terra ficam dois degredados para aprender a fala do povo. Mais dois grumetes que, por vontade própria, faltaram ao embarque. Os rapazes são cativos das nativas, seus cabelos muito pretos e compridos a tombar pelas espáduas, suas vergonhas tão altas e cerradinhas que delas vergonha não pode haver...
Abalando do Paraíso, corroído de inocência, lá vai o Capitão-mor. Será maleita perigosa a diluir-lhe o ímpeto guerreiro, pois tem agora que enfrentar as guerras e perfídias do Inferno.

O INFERNO
Cabral, no Mar Índico, é bem recebido em Melinde.
Para castigar o Samorim, Cabral bombardeia Calecute. E, entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulte Tábua Cronológica
Tocados por sudoeste, perto do Cabo da Boa Esperança súbita tempestade afunda quatro naus. Entre elas, a de Bartolomeu Dias, o descobridor do Cabo deveras Tormentoso. É a segunda maldição. Chegando estão eles à porta do Inferno. Das 13 sobram 7.
Porto de Sofala, 16 de Julho. Agora, das 13 sobram apenas 6. Falta mais uma. Falta a nave de Diogo Dias, o irmão de Bartolomeu (5). Terceira maldição.
As naus desconjuntadas, os companheiros mortos, o desalento. O Capitão-mor trata de animar a todos. Ninguém arreia, ninguém desiste, ninguém recua, ninguém arreda pé, antes quebrar que torcer, há missão para cumprir. Consertam as naus e outra vez fazem-se ao mar.
Sobem a costa oriental da África. Avistam dois navios. Um foge e vara em terra. Outro é abordado e tomado. Fica então Cabral a saber que Foteima, o comandante, é tio do rei de Melinde. Por isso devolve-lhe a nave e presta-lhe honras, o que muito espanta o mouro. Serão depois bem recebidos em Moçambique. Talvez por temor das gentes, talvez por influência de Foteima que até ali os acompanha. Fazem aguada, reparam as naus, outra vez partem.
Recomendara El-rei D. Manuel que estabelecessem feitoria em Quiloa, reino que tem parte activa no comércio do ouro de Sofala. Mas o rei negoceia entendimentos. Quisera o Capitão-mor dar-lhe batalha, mas poucos já são eles para enfrentar os muitos homens do Samorim de Calecute. Largam sem nada assentar.
Outra vez são os portugueses bem recebidos em Melinde. O rei cede-lhes dois pilotos que os levam à Índia. Fazem-se ao mar a 7 de Agosto.
Para abastecimento, a 23 de Agosto escalam a ilha de Angediva. A população recebe-os com amizade. Mas preocupado já anda o Capitão-mor com o que virá depois.
A 13 de Setembro chegam por fim a Calecute. Negociações difíceis, desconfianças. Encontra-se Cabral com o Samorim num estrado de madeira lavrada, levantado à beira-mar. Mas antes recolhe a bordo, como reféns, seis notáveis do reino. Nenhuma conclusão se alcança e os reféns, assustados, atiram-se ao mar. Três conseguem fugir mas os outros são recapturados. São eles a garantia dos homens e fazenda que os portugueses em terra têm. E assim se vai convertendo a paz em guerra. Cabral reúne concelho com os seus capitães. Opinam colocar a armada em posição de fogo. E o Capitão-mor, enquanto ameaça mouros e Samorim, saudades sente da inocência daquele povo de Vera Cruz... Faz progressos a maleita, corroído anda ele.
Dobra-se o Samorim. É ele quem manda recado para novo encontro. E encontram-se. E ele cede aos portugueses umas casas à beira-mar onde instalarão a feitoria. Aires Correia ocupa-as como feitor de El-rei D.Manuel I. Com ele Frei Henrique que tentará evangelizar aqueles infiéis. Cerca de 60 homens, no total. Singrará o comércio português em Calecute? Oxalá, mas tem dúvidas, o Capitão-mor. Verifica que aparece muita gente para ver a fazenda, mas ninguém para trocar, ou comprar, ou vender. Malhas dos mouros que dominam o comércio da cidade...
Junto do Samorim há feiticeiros a encantar serpentes com umas flautas, mas será ele o próprio encantador da Serpente, traições e logros. Aires Correia é um dos enganados e com ele o Capitão-mor. Um e outro andam pasmados de inocência, maleita de Vera Cruz. Que vinha aí uma nau carregada com um elefante e especiarias de Ceilão. Pertença de mercadores de Meca mas rivais do Samorim. Que os portugueses a tomem e ofereçam o elefante ao Samorim. E eles a tomam. Mas especiarias não há, apenas sete elefantes e pertence a nau a mercadores não de Meca, mas de Cochim, cujo rei é amigo dos portugueses e ao qual terão que indemnizar e pedir desculpas muitas.
E logo voltam a cair noutra armadilha, inocência por demais deslocada às portas do Inferno... Tardam as naus portuguesas a serem carregadas com especiarias. É-lhes dito que o mesmo acontece com as naus de Meca fundeadas no porto. Mas suspeitam que uma delas, ancorada perto deles, é abastecida, às escondidas, durante a noite. Reclamam junto do Samorim. E ele diz que tomem então a carga dessa nau. E eles a tomam, abordagem. Mas afinal, a bordo, só há carga de mantimentos. É quanto basta para o povo de Calecute se levantar contra os portugueses, os mouros à cabeça da multidão. Chacinados são marinheiros pelas ruas, também a guarnição da feitoria. Entre os quarenta assassinados estão Aires Correia e Pero Vaz de Caminha. Frei Henrique, muito ferido, consegue alcançar uma das naus. Desta vez desfaz-se o encanto e os portugueses afundam quinze naves de Meca surtas no porto e durante dois dias não param de bombardear a cidade. E o Capitão-mor, enquanto vai ordenando fogo e medindo os estragos em Calecute, saudades sente da inocência daquele povo de Vera Cruz...
AMIGOS POR INTERESSELevantam ferro, abandonam Calecute, rumam para Cochim. Recebe-os o rei, mas receoso, por causa do incidente da nau dos elefantes. O Capitão-mor dá-lhe as devidas explicações, recompensas e desculpas. Consegue ganhar a sua confiança. Aliás, o reizinho deseja emancipar-se de Calecute. Aliar-se aos inimigos do Samorim vai ao encontro do seu desejo. Por sua influência, e pelos mesmos motivos, os portugueses estabelecem ainda relações amigáveis com os reinos de Coulão e Cananor. Em Cochim e Craganor, em vinte dias carregam as naus com pimenta e outra drogas. Rumam depois para Cananor a completar a carga com gengibre. Levando a bordo embaixadores desses reinos que amigos se dizem de Portugal, abalam da Índia a 16 de Janeiro de 1501.
Ao sul de Melinde mais um desastre: afunda-se outra nau. E o Capitão-mor, enquanto medita em todas estas maldições; enquanto esconjura todo este Inferno, saudades sente da inocência daquele povo de Vera Cruz...


TENÇA TARDIA
Ao receber tença tardia, Cabral teme pelos índios do Brasil. E no resto do mundo? Consulte a Tábua Cronológica
Campos de Santarém, à beira-Tejo. Dos lados da ribeira dois cavaleiros avançam sobre Pedro Álvares Cabral. Um deles é seu vassalo, reconhece-o. O outro, pelo trajar, será escudeiro d'El-rei D. Manuel I. Apeiam-se, saúdam. Cabral responde com gentileza. El-rei manda-lhe recado, que vá ao Paço. É homem esquecido há muito pela Corte. Qual o motivo de tal convite?
Assopra o escudeiro que El-rei pretenderá atribuir-lhe tença anual.
Tença? Agora, em 1515, quando os seus feitos datam de 1500? Passados quinze anos, por que se lembra hoje El-rei de si?
Mais vale tarde do que nunca, diz-lhe o escudeiro. Será prémio pela sua descoberta da Terra de Vera Cruz. Martim Afonso de Sousa, da capitania de S. Vicente, escreveu carta a El-rei louvando a muita riqueza que nela parece haver.
Pedro Álvares Cabral despede-os, vão-se. Prefere ficar sozinho a remoer.
A muita riqueza que nela parece haver... Cobiça, é só cobiça... E quando dessa terra houverem novas, cobiçosas hão-de ser outras nações. Mas nem a portuguesa, nem as outras, irão atentar na sua riqueza-mor, qual seja a inocência do povo que ali vive em estado natural. De inocência deslumbrado, como poderia ele desenlear-se depois das malícias do Samorim?
Perdeu 6 das 13 naves. El-rei não gostou. Mas quando, dos seus navios, muita especiaria despejou para os armazéns da Ribeira, logo El-rei olvidou o desastre de Cabral. Ganância, é só ganância...
Em 1502 El-rei organizou terceira expedição à Índia. Chegou mesmo a convidá-lo mas exigiu que outrem consigo partilhasse o comando da armada. Era ofuscar a sua estrela, foi grande afronta. Recusou, retirou-se, foi esquecido. E agora outra vez El-rei se lembra de si. E agora outra vez se lembra ele de tudo quanto passou, a viagem ao Paraíso, a viagem ao Inferno.
Tença real? Seja então! Mas já teme que Martim Afonso de Sousa, ou outros por ele, tentem levar ao cativeiro o povo de cuja inocência é ele cativo.

RÉQUIEM
Em 1518 Pedro Álvares Cabral recebe segunda tença pela sua descoberta da Terra de Vera Cruz que muito proveito está dando à Coroa. Morrerá talvez em 1520. Será sepultado em Santarém, dentro da Igreja da Graça. Campa rasa._____________________________________________________________
- (2) Américo Vespúcio mais tarde divulgará as múltiplas aventuras que viveu no novo Continente ocidental, o qual ficará sendo conhecido por Terra de Américo ou, simplesmente, América. - (3) O autor segue de perto a carta de Pero Vaz de Caminha a El-rei D. Manuel I. - (4) Donde surge o futuro nome de "Brasil" para a Terra de Vera Cruz. - (5) Perdido o encontro com a armada, Diogo Dias fará sozinho a aventura do Oriente, descobrirá Madagascar, conseguindo regressar depois ao Portugal

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